12 Dez, 2016

Coisas de dengue

Dengue 

 

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A dengue é uma doença viral infecciosa aguda de curta duração, podendo assumir formas letais e que vem preocupando autoridades na área de saúde. Sua transmissão ocorre pela picada do mosquito fêmea Aedes aegypti infectado, sendo o principal vetor da dengue. A maior preocupação se dá pela existência desta espécie nas regiões tropicais e subtropicais do mundo (COSTA et al., 2005).

No Brasil, os números são alarmantes e crescentes. Na Tabela 1 é possível observar a quantidade de casos registrados das principais arboviroses transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti em 2015 e até o mês de agosto de 2016 de acordo com pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2016).

 

Tabela : Dados das principais doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti nos últimos meses no Brasil

 

 

Arbovirose

2015

Janeiro a agosto de 2016

Casos registrados

Óbitos confirmados

Casos registrados

Óbitos confirmados

Dengue

1.479.950

814

1.426.005

509

Chikungunya

20.598

6

216.102

91

Zika

-

-

196.976*

3*

*Dados de abril de 2015 até agosto de 2016, quando a febre provocada pelo Zika vírus foi relatada pela primeira no Brasil

Fonte: Adaptado de BRASIL (2016)


Foi realizada uma pesquisa dos focos mais comuns de larvas do transmissor por região do Brasil, de modo que os principais eram: reservatórios de água, depósito familiar e lixo. O resultado apontou que em novembro de 2015 os reservatórios de água corresponderam a 82,5% no Nordeste, 34,7% no Norte, 32,5% no Centro-oeste, 30,9% no Sudeste e 17,6% no Sul conforme dados do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) (BRASILa, 2015). Por isso que o combate ao mosquito é intensamente veiculado nas mídias sociais para eliminação de água parada e proteção de reservatórios de água contra o acesso do mosquito, de forma a evitar a proliferação do vetor transmissor.

A metamorfose completa do Aedes aegypti é: fase ovo, fase larva (4 estágios), fase pupa e fase adulto. As ações para controlar a sua população são realizadas principalmente na fase de larva, quando o inseto se encontra mais vulnerável e ainda não é um vetor em potencial (GUARDA et al., 2016).

Os inseticidas sintéticos mais utilizados para tal pertencem às classes dos organosfosforados, carbamatos e piretroides. O mecanismo de ação destes é a inibição da enzima acetilcolinesterase presente no sistema nervoso do mosquito, aumentando o nível de acetilcolina nas sinapses e, consequentemente, ocasionando a paralisia e morte do inseto. O uso intenso dos inseticidas sintéticos desenvolve meios de defesa para a sobrevivência do mosquito, acarretando na redução da sua eficácia. O alerta é que o Aedes aegypti é uma praga urbana e que se adapta rapidamente às mudanças ambientais e apresenta rápida recuperação após as intervenções de controle (GARCEZ et al., 2013).

A duração residual do temefós é de cerca de 60 dias, sendo considerada curta, implicando na necessidade de reaplicar frequentemente para controlar o mosquito. A recomendação da Fundação Nacional da Saúde é de usar o temefós com concentração de 100 μg mL-1, porém Guarda et al. (2016) concluíram que em concentrações menores (70 a 100 μg mL-1) é possível obter a atividade larvicida eficaz e, provavelmente o larvicida sintético está sendo aplicado em dosagem maior do que a necessária para extinguir o mosquito, o que seria preocupante para a saúde do homem e para o meio ambiente (GUARDA et al., 2016).

Além disso, o uso contínuo de inseticidas sintéticos descontrola a população de mosquitos e causam toxicidade ao homem e a outros organismos não-alvo e a poluição do meio ambiente. Por isso, uma das tendências atuais neste sentido é a prospecção de produtos naturais de origem vegetal com propriedades larvicidas, visando maior sustentabilidade (GARCEZ et al., 2013).


  1.  
    1.  PRAGUICIDAS NATURAIS

Atualmente o uso de produtos amigáveis ao meio ambiente com atividade inseticida tem aumentado. As investigações por tais fitoquímicos são renovadas à medida que sua seletividade aumenta e em menor concentração (SARAF; DIXIT, 2002). Muitas plantas produzem substâncias em resposta a um ataque patogênico e algumas delas têm a capacidade de atrair (polinizadores) ou repelir (predadores) insetos, de modo que os óleos essenciais das plantas são fontes de substâncias com esta atividade biológica (COSTA et al., 2005).

As substâncias naturalmente presentes nas plantas (extratos ou óleos essenciais) têm vantagem quando comparadas aos inseticidas sintéticos por serem recursos renováveis, serem rapidamente degradáveis e o desenvolvimento de resistência por parte dos mosquitos ser um processo mais lento, visto que as substâncias são compostas por associações complexas de princípios ativos (PROPHIRO et al., 2008).

Muitos óleos essenciais e extratos naturais possuem atividade larvicida. Como exemplo, os óleos essenciais de cravo-da-índia, cidreira-do-mato e alecrim-pimenta foram testados contra larvas do Aedes aegypti e do Culex quinquefasciatus (muriçoca que transmite a filariose) e apresentaram concentrações letais (C50) ao redor de 20 ppm para os três óleos (COSTA et al., 2005). Extratos de plantas como nó-de-cachorro (GUARDA et al., 2016), cinamomo (PROPHIRO et al 2008) e cajuzinho do serrado (PORTO et al., 2008) também apresentaram resultados de alta atividade larvicida. Outra planta que é amplamente divulgada na literatura como responsável por atividade larvicida é o jambu e a próxima seção discute mais afundo sobre esta e outras atividades praguicidas do jambu.


  1.  
    1.  JAMBU

O Jambu é denominado também de agrião-do-pará, agrião-bravo, agrião-do-brasil, agrião-do-norte, botão-de-ouro, erva-maluca, jabuaçu, nhambu e abecedária. Apesar da nomenclatura, ele não é nativo do Brasil, sendo encontrado na África, Ásia e América do Sul. Entretanto, em território nacional é mais comum na região Norte, principalmente no estado do Pará, onde é amplamente consumido na culinária como condimento em pratos como tucupi e tacacá. As folhas do jambu apresentam sabor acre e pungente, principalmente pela presença do espilantol (FAVORETO; GILBERT, 2010).

De acordo com Barbosa et al. (2016), o espilantol é uma alcamida anfifílica, ou seja, possui uma região hidrofílica e uma região hidrofóbica (Figura 1). O grupo amida da molécula de espilantol é relativamente polar, enquanto que a parte insaturada é menos polar. Isto permite que o composto seja extraído com solventes de diferentes polaridades, desde metanol até hexano ou dióxido de carbono supercrítico. Esta estrutura confere ao espilantol atividade anestésica, sendo utilizado na medicina popular principalmente contra dor de dente, ferimentos na boca e tuberculose e vem sendo utilizado em cosméticos para compor máscaras faciais antissinais de idade (FAVORETO; GILBERT, 2010).


Figura : Estrutura química do espilantol.

 

Fonte: Barbosa et al. (2016)


Apesar destas aplicações, o extrato do jambu está associado a muitas atividades praguicidas. O extrato de jambu foi testado contra carrapatos fêmeas como alternativa para acaricidas sintéticos para doenças ao gado bovino. Extrato de partes aéreas da planta com hexano foram aplicados e foram capazes de causar modificações em relação ao formato e tamanho das células reprodutivas dos carrapatos (DE OLIVEIRA et al., 2016).

Em outro estudo para verificar a atividade contra carrapatos, o extrato metanólico de jambu bem como o espilantol puro foram avaliados contra larvas de carrapatos. Para aumentar a concentração de espilantol, o extrato metanólico foi submetido a novas extrações sucessivas com hexano e diclorometano. Todas as concentrações acima de 12,5 mg mL-1 dos extratos de jambu apresentaram 100% de mortalidade das larvas de carrapatos. Além disso, o extrato metanólico continha 0,187% de espilantol (cromatografia líquida) e o extrato de hexano/diclorometano continha 99% de espilantol (cromatografia gasosa), mostrando que praticamente o espilantol puro foi obtido ao fazer a partição do extrato metanólico com hexano e diclorometano (CRUZ et al., 2016).

Mesquita et al. (2010) desenvolveram um inseticida natural comercial à base de jambu para combater pulgão-das-brássicas em repolho verde. Os autores perceberam que quanto maior a concentração de inseticida de jambu, maior a eficiência, ressaltando o tratamento com 7,5 mL L-1 como o que mais reduziu a infestação da praga. Sharma et al. (2012) verificaram que extrato de jambu foi mais eficiente (1,4 a 5,1 μg L-1) que o inseticida sintético deltametrina (LC­50 = 11,8 μg L-1) contra a traça de couve (Plutella xylostella).

Kadir et al. (1989) compararam a toxicidade dos extratos de jambu com três inseticidas sintéticos (carbaril, lindano e bioresmetrina) contra barata americana (Periplaneta american). Os extratos das flores foram mais eficientes do que os extratos das folhas contra as baratas adultas e o espilantol concentrado por cromatografia (dose letal: CL50 = 2,46 μg g-1) foi mais eficiente do que os inseticidas sintéticos avaliados (CL50: 3,16 – 9,44 μg g-1).

Além disso, o extrato de jambu possui propriedades antioxidantes que permitem seu uso como conservante de alimentos ou ingrediente funcional. Romão et al. (2015) estudaram a constituição fitoquímica e a atividade antioxidante das flores de jambu. A análise fitoquímica indicou a presença de alcamidas e flavonóides, e o extrato aquoso apresentou atividade antioxidante (IC50) próximo a 307 μg mL-1 (ROMÃO et al., 2015).

Saraf e Dixit (2002) avaliaram a atividade inseticida do extrato etílico das flores do jambu contra três espécies de mosquito em diferentes estágios de desenvolvimento: Anopheles culicifacies Giles, vetor da malária, Culex quinquefaciatus, vetor da filariose e Aedes aegypti, vetor da dengue. Os resultados apontaram concentração letal (CL50) das larvas de Aedes em torno de 5,0 ppm. Além disso, os autores observaram também que o espilantol é mais efetivo em doses baixas. Na fase de pupas dos mosquitos, parece que o espilantol age no sistema nervoso, devido aos movimentos anormais e atividade muscular desordenada (SARAF; DIXIT, 2002).

Pandey et al. (2007) investigaram a eficiência larvicida de três espécies de plantas do gênero Spilanthes (S. acmella, S. calva e S. paniculata) contra três espécies de mosquito (Anopheles stephensi, Anopheles culicifacies - vetor da malária e Culex quinquefasciatus - vetor da filariose). Extratos das sementes e das flores das plantas foram obtidos a partir de extração com hexano. A S. acmella apresentou as menores concentrações letais (CL50) em relação às outras plantas investigadas: 4,57 ppm para A. stephensi, 0,87 ppm para A. culicifacies e 3,11 ppm para C. quinquefasciatus.

Simas et al. (2013) verificaram o efeito do extrato etanólico das folhas de jambu proveniente de Pará/Brasil contra larvas do mosquito Aedes aegypti. Os resultados apontaram que o extrato bruto apresentou concentração letal (CL50) equivalente a 251 ppm, mas o extrato particionado com hexano foi mais ativo e exibiu CL50 igual a 145 ppm, mostrando que a partição do extrato bruto em frações de hexano foi importante para promover uma concentração da atividade larvicida.

O perfil volátil do óleo essencial de jambu apresentou 66 substâncias identificadas, sendo que os compostos majoritários foram: β-mirceno (15,86%), dictamnol (14,11%), germacreno D (7,98%) e β-pineno (7,79%) (BORGES et al., 2014).

Por isso, a forma e o solvente utilizados para produzir o extrato de jambu podem alterar significativamente a concentração de espilantol e outras substâncias sinergísticas, variando a efetividade do extrato.

Como pode ser observado, a maioria dos extratos de jambu são obtidos com solventes de diferentes polaridades. Entretanto, as principais atividades biológicas do jambu foram verificadas com extratos obtidos com solvente mais apolares. Desta forma, surge a extração supercrítica como forma de obter um extrato rico em espilantol e como um método de extração verde, mais favorável ao meio ambiente pela dispensa de utilização de solventes orgânicos quanto apenas o dióxido de carbono supercrítico é aplicado.